sexta-feira, 6 de agosto de 2010

DISCURSO SOBRE A CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA - DO MUNDO DA CIÊNCIA AO MUNDO DA VIDA

CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA - DO MUNDO DA CIÊNCIA AO MUNDO DA VIDA



DIMENSÃO SOCIAL E CULTURAL SURGE OUTRA DIMENSÃO: A DIDÁTICA



PREZADO COORDENADOR:







Talvez ainda não tenhamos tomado consciência do abismo que tende a separar cada vez mais o mundo da ciência do mundo da vida e da sociedade. O cientista não deverá esquecer que o mundo da ciência não só pressupõe o mundo da vida, mas emerge dele. e para que fazer ciência, senão a serviço do homem? Ora, o mundo da vida sempre é mais amplo, mais rico e complexo que o refletido pela ciência. Aliás, não existe a ciência. Existem muitas ciências. Através de cada uma temos uma imagem fragmentária do mundo e de nós mesmos. A especialização fragmenta o mundo, pois o especialista é aquele que "sabe tudo sobre quase nada e nada sobre o todo”.E uma visão global mais que a soma das visões que as diferentes ciências oferecem do mundo e do homem.



Independente dos movimentos históricos para a introdução do en¬sino da Cultura e Sociedade Brasileira" durante dois semestres nas escolas superiores do país, poderá ser uma oportunidade para arraigar mais a ciência e o futuro profissional à nossa realidade brasileira numa perspectiva humanista. Nesta intenção, os professores desta disciplina concordam com o "marco referencial das novas “diretrizes da educação brasileira ", que "afirma o primado do homem sobre as coisas, do espírito sobre a matéria, da ética sobre a técnica, de modo que a ciência e a téc¬nica estejam a serviço do homem" .



"Cultura e Sociedade Brasileira" não é uma disciplina científica, no sentido rigoroso do termo, como o é, por exemplo, a física ou a matemática. Por isso esta disciplina destina-se a ser um subsídio para as outras aulas e para a vida, não um manual a ser decorado. "Cultura e sociedade Brasileira" oferece elementos para a re¬flexão e o debate, visando formar uma consciência nacional mais crítica e humanista entre os acadêmicos levando os a participar mais ativamente e de maneira mais responsável na vida e no destino da nação.



O enfoque dado à realidade brasileira em Cultura e Sociedade Brasileira não exclui outros enfoques possíveis. É um ponto de partida, não de chegada. Os pesquisadores envolvidos não se contentam em "contemplar" a realidade como é, mas pretendem repensá-la e transformá-la. Propõem um projeto que salvaguarde a eminente dignidade da pessoa humana, sua singulari¬dade e transcendência. É preciso acordar a juventude brasileira en¬quanto é tempo. A manipulação do homem pelo homem poderá anular sua consciência de liberdade e acomodá-lo à abúlica servi¬dão. Projetos megalomaníacos poderão transformar nosso pais numa maravilhosa "cidade do homem" na qual, todavia, poderá faltar lugar para o homem ser, pensar e agir de maneira humana. Cabe à universidade brasileira assumir uma função crítica por excelência frente ao sistema no qual está inserida.

"Para mudar um país é preciso, antes de tudo, conhecê-lo"."País do futuro", "país emergente": cada nova década nos apresenta uma nova imagem de otimismo que tenta conformar o Brasil a esperar por um futuro promissor. Mas será que estamos todos de acordo com esta visão? O que o brasileiro espera do próprio futuro? O "amanhã" inspira as mais diversas previsões; e é para garimpar esta vasta riqueza que universidade preparou a disciplina ”CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA", que reúne retratos e relatos que expressam as mais diversas opiniões sobre o futuro do país, um panorama intimista que pulsa com fé e descrença, otimismo e desilusão.





CARÁTER ESPECIFICO E SINGULAR DE CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA





A disciplina de CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA vale-se da observação científica que pode ser comum a outras disciplinas, tais como História, Política, Sociologia, Psicologia, Geografia Humana e econômica. etc., contudo, ela visa chegar a um juízo ético da realidade nacional. A disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira não se reduz a uma Sociologia ou Economia do Brasil a uma Geografia Humana e Econômica do Brasil, mas procura estu¬dar, discutir e analisar a realidade brasileira (econômica, social, política e cultural) numa visão integral axiológica em que o homem todo e todos os homens são o fim do esforço de reflexão e de transformação.

É mais uma disciplina que vem reforçar a formação humanística do educando.



Visa formar o cidadão não apenas enquanto profissional (o que é obsessivamente perseguido por alunos e professores na universi¬dade brasileira), mas enquanto pessoa que tem compromisso com o exercício da cidadania dentro da comunidade brasileira na qual o desenvolvimento integral constitui ainda um desafio a ser alcançado.



A disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira não pode alimentar a pretensão de que, por si só, poderá propiciar ao cidadão uma consciência crítica e uma visão global, objetiva e sintética da realidade BRASILEIRA, mas deve esforçar-se para fazer a sua parte, oferecendo aos discentes os ele¬mentos necessários para desenvolver uma consciência crítica e ética da realidade em que vão atuar. Por isso, devemos atribuir a má¬xima importância a toda disciplina que pode contribuir para visão humana e integral do homem e da sociedade. A rigor todas as disciplinas de um currículo. independente do curso, deveriam oferecer este espaço, porém, na prática, raras vezes isto acontece. O professor, principalmente das áreas mais técnicas, se limita a atender os objetivos imediatos do estudante que, na sua grande maioria, objetiva na sua graduação melhorar o seu nível de vida, não levando em conta a dimensão social de sua profissão.



Além disso, a formação histórica do homem brasileiro favoreceu o paternalismo e o individualismo em detrimento do espírito público e do patrimônio cultural. o que exige uma contribuição especial conseguir criar uma mentalidade cívica e comunitária.



Por isso, é recomendável que o universitário faça esta disciplina no início do curso, pela abertura de visão que pretende dar e pelos elementos e critérios que proporciona para o aluno situar-se melhor na escolha profissional. Com isso, a disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira pode alcançar profundas ressonâncias em toda educação, e, quando bem mi¬nistrada, pode colaborar para a universidade atingir uma de suas funções básicas que é a de estar atenta e aberta para a solução dos problemas da região geo-econômica em que se situa.





FUNÇÃO ESTUDO DA CULTURA E SOCIEDADE BRASILEIRA NA UNIVERSIDADE



A preocupação da disciplina de Cultura e Sociedade Brasileira não é somente de identificar a realidade ou partes da realidade, mas de conhecer a verdade que envolve a realidade. Isto é, ajudar a desvendar a realidade da qual cada um de nós somos parte, mesmo, por vezes, sem envolver-nos o suficiente com ela.



Porém, nosso objetivo maior não é apenas conhecer o mundo sócio-econômico-político, mas conhecer e desvendar o mundo do homem, que é o agente da justiça ou injustiça, no meio social. Historicamente a universidade surgiu para responder os desafios da sociedade.



Partimos do princípio de que todo homem age. E, através da ação, ele deixa transparecer seus princípios, seus valores, suas intenções, seus desejos e seus sentimentos. Assim, "o mundo torna o colorido dos olhos de cada um de nós". Pois, atrás da injustiça, sempre se esconde um homem injusto. Atrás da exploração, sempre se escon¬de um explorador. Atrás da opressão, sempre se esconde um opres¬sor. Atrás da ditadura, sempre se esconde um ditador. Atrás da ação humana ou desumana, sempre se esconde um homem humano ou desumano, equilibrado ou desequilibrado.



Por isso, antes de questionar os sistemas. regimes e modelos im¬postos ao povo, devemos questionar a nós mesmos, pois as macro-ditaduras políticas, econômicas e sociais começam nas microditaduras dentro de nós mesmos, dentro da família, da escola, da universidade. Ali se ensaia o futuro da sociedade. As grandes violações dos direitos humanos, através de sistemas e regimes de força, co¬meçam nas pequenas e diárias lesões de egoísmo e mentira contra os nossos próximos mais próximos. Neste sentido, o apelo do bispo Dom Hélder Câmara também ratifica esta posição ao afirmar:

"Não adianta pensar em reformas sócio-econômicas, de estruturas externas, enquanto não houver mudanças profundas em nossas es¬truturas interiores". Como afirmam os existencialistas: “Toda responsabilidade cabe ao homem, pois somente ele é o artífice principal de seu êxito ou de seu fracasso”.



Disso concluímos que nossa crise não é política, nem econômica, nem energética... é, sobretudo, a crise do homem. E o "homem só é verdadeiramente homem, na medida em que, senhor de suas ações e juiz do valor destas, é autor do seu progresso, em confor¬midade com a sua natureza".



Antes de questionar os sistemas, por mais desumanos que sejam, devemos seguir o exemplo do filósofo Heidegger que se perguntou inicialmente pelo sentido do existir, não como uma resposta defini¬tiva, mas como um abrir caminhos. Para isso, Dom Hélder Câmara dá a receita:

''Quem não rasgar, de alto a baixo, a carapaça do egoísmo e não sair de si, ao encontro do irmão, jamais terá verdadeiros encontros com alguém e jamais chegará a autênticos diálogos".



Perguntar pelo sentido do mundo e das coisas exige perguntar pelo sentido fundamental do ser do homem. Pois o homem é uma realidade que se faz existindo (ec-sistindo), com a capacidade de assumir o próprio poder ser e de sair de si mesmo para lançar-se, transcender-se. Assumindo a si mesmo, o homem torna-se também uma presença mais autêntica como "ser-com-os-outros" e "ser no mundo (Dasein) e não apenas um simples " estar-no-mundo". E neste processo que "o homem torna possível a história, não como ciência, mas como acontecimento".



Aplicando isto a nossa realidade, podemos verificar que as nossas universidades primam, ou pelo menos correm o risco de despejarem na sociedade bons técnicos, ótimos engenheiros, arquitetos, economistas, administradores, mas homens vazios. E ai nos parece necessário perguntar: cabe à escola e à universidade formar homens ou técnicos? "Por que e para que vou à universidade?",

"Se for apenas para a conquista de um título, de prestígio social, de um diploma pro¬fissional necessário para aumentar os rendimentos. estaríamos muito longe do espírito que deve animar uma universidade humanista e comprometida com a sociedade.Há, por isso, um risco muito grande de diplomarmos máquinas pensan¬tes, calculistas,insensíveis,frias. sem coração e sem uma resposta para o próprio existir".



Talvez, quando perguntarmos pelo sentido da vida e o sentido da sociedade, seja necessário perguntar também pelo sentido da uni¬versidade. E quem sabe, sim, de homens em primeiro lugar, com uma pos¬terior complementação técnica. Antes da capacitação profissional, precisamos aprender a investir na natureza humana, isto é, no ho¬mem como homem. No seu equilíbrio biológico, físico, espiritual, moral, afetivo, psicológico, cultural social, etc. A natureza do homem, como constituição íntima do ser animal e racional, impõe uma série de necessidades que precisam ser supridas ou atendidas.

Disso decorre que, quanto mais necessidades naturais forem menos atendidas, maior será o desequilíbrio humano. O homem é um todo e como tal deve ser pensado, tratado, educado e formado. Este equilíbrio do todo é que imprime sentido à vida e às coisas.



UMA PARADA PARA INTERIORIZAR-SE



Em virtude da acelerada crise econômica, dependência, inflação, alto custo de vida política econômica concentradora, a vida tornou-se apertada para a maioria. E o povo já não tem tempo, pois precisa lutar, e, por vezes, desesperadamente, para sobreviver. A lei da vida é correr, trabalhar, fazer, produzir, faturar. Assim, a cons¬tante desvalorização dos salários e a constante majoração dos pro¬dutos de consumo, somadas ao egoísmo, à ganância e à rotina, afas¬tam cada vez mais os homens, tornando os ilustres desconhecidos que' diariamente se acotovelam e se pecham, cada um ocupado e preocupado com o., seu mundo de interesses. Esta livre concorrência, cobiça e concentração de recursos nas mãos de cada vez menos gente, traduzida pela lei do mais vivo e dos mais fortes, torna a nossa vida difícil, e até insuportável. É o que filósofo existencia¬lista J. P. Sartre traduz muito bem com a expressão: "O inferno são os outros". . ,E o inferno é você, sou eu. O seu inferno sou eu na medida em que deixo de olha-lo como amigo, como pessoa que tem os mesmos direitos e passo a olhá-lo como alguém do qual posso tirar proveito. Como alguém que posso explorar. Como al¬guém que posso usar, e quando não me serve mais, jogo fora, mar¬ginalizo, pisoteio. (O vazio interior, a solidão a náusea, o desespero e o suicídio) de que fala J. P. Sartre são um sintoma evidente do desequilíbrio humano. Um sintoma evidente de que a sociedade investe muito, mas pouco no homem como homem. Nisto consiste a crise de va¬lores.

Por isso, neste mundo de homens-fantasmas, de ilustres desco¬nhecidos, talvez o maior desconhecido seja eu mesmo, na medida em' que encontro tempo para tudo, mas não encontro tempo para mim mesmo.

Quem sou? O que penso de mim mesmo? O que sei de mim mes¬mo? Lembro que certa vez um professor solicitou, para uma turma de 6º série, a seguinte tarefa, por escrito: "Escrevo .tudo o que você sabe sobre o colega que senta ao seu lado". Terminada esta primeira tarefa, o professor revelou a segunda "Escreva tudo o que você sabe sobre você". A experiência demonstrou que na pri¬meira pergunta os alunos escreveram com ânimo e inspiração. Po¬rém, na segunda pergunta, o lápis parou e mais de 60% dos 40 alunos não escreveram nada, pois não sabiam nada de si. A mesma experiência repetida com outras turmas revelou 'o mesmo resultado., E se esta experiência fosse feita com os universitários?



Faz parte do nosso sistema e da nossa estrutura social que o in¬divíduo saiba tudo sobre uma determinada área (especialização); mas saiba muito pouco ou quase nada de si. Que ele domine uma área de conhecimento como especialista, mas não domine a si próprio e seja um ilustre ignorante do seu mundo interior.

"O desenvolvimento levou à especialização, gerando o "Fachi¬diot", o homem que sabe tudo sobre quase nada e nada sobre o todo. O homem, ele mesmo, tornou-se fragmentado, quebrado".

Com isso corremos o risco de não pensarmos e, quando pensamos, corremos O, risco de, pensarmos para os outros e como os outros. Assim, perdemos a nossa identidade.

E uma das características do homem atual é exatamente a perda de identidade. Quem ganha ,mais uma vez com isso é o sistema, a classe dominante' e a socie¬dade consumista.

''Sem tempo para nada, vivemos tensos, ocupados, preocupados, agitados, insatisfeitos, com os nervos a flor da pele. Nossas antenas estão sempre ligadas, atentas, preocupadas com tudo, para tudo e sobre tudo. No fim do dia, estamos entregues e exaustos e,muitas vezes, sem forças para parar, olhar para trás e, sobretudo, olhar para dentro de nós mesmos. Como diz o filósofo J.Ortega y Gasset, “ o homem deveria diariamente aprender a desligar-se de tudo e de todos e ter a coragem de "ensimesmar-se", isto é, entrar dentro de si mesmo e no mais íntimo do seu "eu” desencadear um processo de auto-avaliação. Isto,. sem dúvida, abriria nossos olhos sobre nós mesmos e sobre nossa omissão com a realidade exterior. Como não estamos habituados a isso, facilmente somos dominados pelos sistemas opressores e engolidos pelos interesses hedonistas de uma sociedade materialista e consumista.

Quem sabe, as aulas de Cultura e Sociedade Brasileira possam ser esta parada semanal, 'onde nada seja mais importante do que o “eu “de cada um. Onde, através da leitura, do.diálogo, doquestionamento, da análise crítica o acadêmico encontre um clima e um ambiente favorável para “ensimes¬mar-se" (interiorizar-se).

• Interiorizar-se, para repensar a vida, seus valores, seus princí¬pios, sua maneira de ser, pensar e agir.

• Interiorizar-se para identificar ,as causas dos seus conflitos, das suas dúvidas, da sua crise e descobrir, com os outros, a maneira de libertar-se delas.

• Interiorizar-se, para conhecer melhor a si, suas capacidades e aptidões.

• Interiorizar-se, para conscientizar-se sobre o fato de que antes de corrigir o mundo das coisas é preciso corrigir o mundo dos homens; e, antes de corrigir o mundo dos homens, é preciso corrigir a si mesmo, fonte geradora de todos os males, problemas, desequilíbrios e escravidões.



Com esta visão humanizadora do homem e da realidade, quem sabe, compreenderemos melhor também os grandes problemas bra¬sileiros, como petróleo, carvão, xisto, álcool, energia nuclear,ener¬gia elétrica, energia solar, biogás, agricultura, pecuária, siderurgia, saúde, habitação, transporte; pesca, etc., objeto de estudo em Cultura e Sociedade Brasileira.





NOSSO DESAFIO: A HUMANIZAÇÃO



Como militantes universitários, nosso desafio é transformar o mundo hominizado num mundo mais humanizado. Para isso, precisamos tomar consciência de que o homem, em grande parte, não é outra coisa senão aquilo que ele pensa de si e faz. Portanto, o futuro do homem é o próprio homem. E a liberdade deste homem é todo o espaço criador de escolhas, opções, decisões e, sobretudo, de dis¬ponibilidade que existe entre ele e o mundo exterior. E esta dis¬ponibilidade fraterna de servir, de participar e de assumir as cir¬cunstâncias temporais de cada momento histórico que torna a vida possível e as pessoas realizadas. Esta fraternidade, baseada na lei do amor, exige, por sua vez, igualdade de direitos e de deveres. E isto é profundamente libertador, pois cria condições de vida onde não há vida e melhores condições de vida junto àqueles que não têm voz e vez.



A nós, universitários, pelo fato de representarmos uma minoria cultural neste país de semiletrados, cabe a tarefa de sermos porta ¬vozes da libertação interior, ou seja de todo e qualquer egoísmo, e a libertação interior, ou seja, das diferentes formas de escravidão que ferem a dignidade humana.



Enquanto nos propomos a organizar nosso mundo interior como sujeitos, deve cuidar para não rebaixar o outro à humilhante condição de objeto, usando-o para interesses próprios. Isto destruiria toda a dimensão de fraternidade.



Esta dimensão de individualismo e egocentrismo, peculiares nas relações dos homens materialistas e consumistas, transforma o ho¬mem em lobo do próprio homem. Concretamente, isto é expresso pela ganância, pelo ódio, pela dominação, pela exploração, pelas violências e violações dos direitos mais elementares da pessoa hu¬mana. Assim, o relacionamento entre os homens transforma-se num campo de batalha, onde o outro não pode ser eliminado, senão um a menos que temos para explorar. Mas também não podemos deixá-lo crescer muito, sob o risco de perdermos a nossa posição de opressor para oprimido, de explorador para explorado.



Concretamente, isto se expressa também pela escravidão econômica, em que o homem é medido e avaliado pelo que produz e não pelo que é. Isto se expressa pelo abuso de poder, em que uma minoria domina a maioria e se outorga o direito de deixar o povo na mais absoluta miséria. A autoridade só é justa quando estiver a serviço. Também se expressa pelas téc¬nicas psicológicas para atemorizar, perseguir, reprimir, cassar e matar, ou então pelas técnicas de alienar, ludibriar. enganar e desviar a atenção do povo através dos poderosos veículos de comunicação.



Este fascínio pela verdade, esta paixão pela justiça e este anseio pela fraternidade, deveria ser a filosofia norteadora de todo universitário através de Cultura e Sociedade Brasileira.

POR UMA UNIVERSIDADE HUMANIZADORA



Assim como o mundo é o que somos, da mesma forma a universidade ref1ete o que somos ou melhor. a universidade é o que somos. Portanto, é também tarefa de cada um de nós transformar a universidade no grande laboratório do desenvolvimento perma¬nente e integral do homem:

• Onde,o universo das idéias,colocadas sobre mesa seja comprado, discutido, analisado, na busca incessante da verdade, sempre num respeito profundo pela individualidade e a dignidade da pessoa.

• Onde jamais o econômico se separa do humano,

• Onde as angústias, os conflitos, as interrogações existenciais do homem sejam discutidas e analisadas, sem esquecer, porém, que as propostas libertadoras devem estender-se também à realidade social.

• Onde o espírito evangélico da liberdade e caridade orienta toda a cultura e toda e todas as ciências numa constante perspectiva de libertação interna e externa.

• Onde o espírito crítico seja mais importante que os métodos e as técnicas didático pedagógico, ou que a pura e simples transmissão de conhecimento.

• Onde o ser mais seja mais importante do que a ânsia de pos¬suir mais.

• Onde a transformação das estruturas sociais e econômicas vigen¬tes seja uma preocupação e uma prática constantes.

• Onde a formação humana seja mais importante do que a forma¬ção técnica, mesmo que o curso seja técnico. "A busca da qualidade deve ser o aspecto central".



"O aperfeiçoamento dos métodos administrativos, a excelência aca¬dêmica no ensino e pesquisa, o aprofundamento do sentido e da responsabilidade comunitária, como expressão do com¬promisso com a justiça e fraternidade, constituem as áreas fun¬damentais.



"Trata-se de uma missão global que atinge o homem todo em si¬tuação... num compromisso com a realidade em todas as suas facetas". Como defende Itami Campos é professor de Política da Evangélica – Faculdades Integradas e autor de Coronelismo em Goiás e O Legislativo em Goiás.

Mas uma sociedade que exagera e quase exclusivamente se fun¬damenta no ter no consumismo, que aceita sem se questionar, que uns 'poucos tenham tudo e em superabundância, enquanto outros passam privações insuportáveis, esta sociedade está em profunda crise e em discordância com os valores humanistas que são prin¬cípios fundamentais também de uma universidade.

O retorno a uma certa frugalidade e austeridade é condição in¬dispensável para salvar nossa civilização, rica em conforto e pobre em humanidade.



Desde seu aparecimento, a universidade sempre teve a missão histórica de salvar e preservar o que a humanidade tem de mais profundo e sagrado em seus valores humanos.



A transformação, a mudança, não se realiza por decreto nem com simples protestos e agitações, mas com o testemunho, o com¬promisso individual e coletivo em função do bem comum.



Em momento nenhum quero menosprezar o valor do social, do econômico, do conforto oferecido pela técnica. O problema é apenas de justa medida. a grande missão da universidade é a de preparar o 'homo serviens' - homem que sabe servir.



Não se trata do servir escravo, mas do servir livre e generoso, na dimensão da fraternidade igualdade e justiça.



Para diplomar, preparar cientistas e técnicos, literatos e artistas, profissionais habilitados, para isto basta uma universidade.



Para diplomar, preparar cientistas e técnicos, literatos e artistas, profissionais habilitados que tenham o profundo sentido humanista do servir, para isto se justifica uma universidade tenha a disciplina de cultura e sociedade brasileira.



Estes aspectos de humanização da universidade também apare¬cem com destaque na obra do Prof. Urbano Zilles, Diretor do Ins¬tituto de Filosofia da PUCRS, quando afirma que vivemos

"Numa grande ilusão quando se tenta reduzir todos os grandes problemas hodiernos do homem, da universidade e da sociedade a meras questões econômicas,jurídicas, quantitativo-matemáticas,ou estatístico-pedagógicas. Não negamos, em momento algum, a importância destes enfoques. Mas n-o se deve esquecer que são enfoques parciais e fragmentários. A crise existencial global da vida e do mundo, capaz de dar sentido e significação não só às próprias ciências, mas a todo agir e ser do homem”.

Assim, somos chamados a construir um "mundo em que todos os homens, sem exceção de raça, religião ou nacionalidade, possam viver uma vida plenamente humana, livre de servidões que lhe vêm dos homens e de uma natureza mal domada, um mundo em que a liberdade não seja uma palavra vá e que o pobre Lázaro possa sentar-se à mesa do rico"

Somos chamados a assumir a nossa posição de co-criadores, o que "revela audácia e humildade do criador. Temos que aprender, com o criador, como criar e não como destruir. A destruição não é digna do criador e é absurda no criador".

Se tudo isto está sendo cumprido e atendido, ótimo. Então aproveitemos as aulas de Cultura e Sociedade Brasileira para manter esta unidade, harmonia e este equilíbrio através do diálogo. Caso contrário, Cultura e Sociedade Brasileira está aí para abrir o jogo e colocar as cartas na mesa, buscando, sempre através do diálogo, uma visão objetiva do homem e da realidade

Insistimos no diálogo, que, na pluralidade de ideologias, vem a ser o termômetro do equilíbrio e da maturidade humana. Isto é tão importante que Heidegger chega a afirmar que a palavra é a casa do ser. Portanto, dialogando, entramos nas profundezas do outro, o habitamos e somos habitados, como fundamento de um e de outro. "O diálogo passa a ser então a recíproca revelação do que há de mais íntimo em cada um de nós, na constante investigação da verdade. Querer a verdade é estar continuamente a caminho.É Estar aberto a tudo que nos cerca", afirma D. Cláudio Hummes.

Dialogando, confrontamos teorias, doutrinas, idéias, ideologias. Dialogando, desvendamos a realidade Homem e a realidade Mun¬do, o que implica em fundamentação teórica, leitura, embasamen¬to empírico; implica em questionamento, argumentação, análise crítica, dedução, conclusão, etc.

Dialogando, elaboramos uma nova idéia de homem e de socie¬dade, quem sabe mais profunda e mais verdadeira.



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